Campos corpantes: um encontro com Regina Favre

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      Abril2013 223

O encontro com a filósofa, pesquisadora e psicoterapeuta Regina Favre me fez aprofundar um pouco mais no entendimento dessa proposta das entrevistas. Por que razão algo em mim deseja esses diálogos e o que estou buscando com isso? Percebo então que não tenho o intento de produzir uma ‘persona entrevistadora’, de chegar com perguntas prontas e seguir um percurso objetivamente bem traçado. A entrevista é, para mim, muito mais um dispositivo que permite fazer falarem vários corpos em mim e no outro, do que tão somente aquele que pode se expressar segundo um padrão de pergunta e resposta. Há perguntas e respostas que acontecem diretamente entre os corpos – para além das palavras que fluem das bocas – e que operam no nível dos sentidos, das moléculas, dos afetos que nos atravessam. Regina apresenta essa ideia de ‘campos corpantes’, que me soa muito conveniente: a entrevista como uma situação arbitrariamente criada, uma pequena ecologia onde certos acontecimentos se dão. Não se trata de um duelo de forças, de uma tentativa de desestabilizar o outro ou de ‘comandar’ o tom e o ritmo da conversa. Importa muito mais sacar quais são as perguntas que muitas vezes não são feitas, mas que se levantam dos tecidos corporais. Como o corpo reage diante de outro corpo, quem fala em mim quando estou dianteAbril2013 227 do outro?

Nesse sentido, ouvindo novamente o áudio da entrevista, percebo minha dificuldade de formular perguntas que eu já tinha prontas. Estou incerta dos termos que quero usar, temo usar expressões impróprias. Dificuldade de articular a continuidade da conversa. Observo as fotos que ela fez de mim e vejo vulnerabilidade nos olhos, sentimentos querendo vir à tona. Algo de muito interno querendo falar, porém uma outra força em mim presencia tudo esforça-se para conter esses movimentos, já que aquela não é a ocasião para isso! Então me parece que o corpo que se apresentou de surpresa naquele momento era um corpo desejoso de falar sobre si. Pergunto-me por que isso aconteceu? Talvez pelo fato de estarmos na sala de atendimentos dela, sentadas uma diante da outra, dispostas de tal maneira que os corpos tenderam a se comportar de uma determinada forma: ela, como terapeuta e eu como o corpo a ser terapeutizado. Logo, talvez tenha me assaltado o impulso de falar sobre mim – o que contrastava radicalmente com os planos que um outro eu/corpo havia traçado para aquele encontro. Mas tudo isso é muito interessante de observar, uma vez que é justamente sobre esses movimentos do corpo, essas disposições biológicas e anatômicas que intencionamos falar nessa entrevista. E enquanto falamos em palavras, o corpo insinua-se com sua própria linguagem.

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A lição do corpo

Na entrevista anterior, o filósofo Luiz Fuganti falava-nos sobre a necessidade do ser humano de se ‘produzir como um tipo forte’. Afirmava que é necessário pararmos de choramingar e de lamentar que as coisas se apresentem como são, para começar a fazer a lição do corpo. Bem, mas o que quer dizer ‘fazer a lição do corpo’? De que instrumentos nos servimos para melhor navegar nesse gigantesco aquário global, que é composto de ambientes dentro de ambientes? Se a simples experiência de estar diante de alguém fazendo perguntas e ouvindo respostas já envolve tantas forças e intensidades, que dirá pensar na multiplicidade de vetores que incessantemente nos atravessam e nos ameaçam arremessar em todas as direções numa sociedade altamente comunicativa e produtora de subjetividades? Como fazer frente à instabilidade de forças que nos desafiam a continuar a nós mesmos? Esse assunto traz à tona questões como singularidade, diferença, autonomia, liberdade e sobrevivência (subjetiva e física).

“Fazer a lição do corpo” quer dizer que é preciso entender como eu opero. Como eu faço o que eu faço? E para nos iniciar no que seria esse caminho autoinvestigativo e lançar algumas luzes sobre esse atuar sobre si – ou sobre esse ‘automanejo’, como diz Stanley Keleman – senti a necessidade de ir buscar essa grande corporalista chamada Regina Favre. Desde a década de 60, ela vem nadando na corrente contracultural, pesquisando ferramentas e instrumentos que nos ajudem a entender que forças e imagens são essas que nos formam e como os corpos se produzem no tempo-espaço. Compreender que estamos imersos em diversas ecologias é a chave, não para um pretenso ‘entendimento de si’ ou para o encontro de um suposto ‘eu verdadeiro’… Nada disso! A questão aqui não é identitária, mas funcional: como eu funciono? Dessa forma, posso começar a aprender como se joga e, assim, torno-me apto a fazer escolhas e a produzir diferença. Como diz Regina: “a ação sobre si é um trabalho artesanal”.

Tal abordagem dos processos somáticos tem origem nas pesquisas do norte-americano Stanley Keleman, autor do livro Anatomia Emocional, cuja tradução no Brasil foi feita pela própria Regina Favre. Tendo convivido por muitos anos intensamente com Keleman e bebido fartamente dessa fonte, ela então parte para um caminho solitário de investigações, reciclando e amplificando os conceitos kelemanianos ao introduzi-los no campo de forças políticas, onde a biologia encontra-se com o jogo de tensões sociais produzindo subjetividades. Nossa entrevistada concebe, então, o Laboratório do Processo Formativo, no qual atende como terapeuta e promove um programa completíssimo de aprendizagem dessa linguagem chamado Seminário da Biodiversidade Subjetiva.

Então, convido você a respirar fundo e mergulhar com Regina Favre nesse formidável universo chamado corpo humano!

Entrevista completa:

Corp.Ante.Corpo

2 comentários em “Campos corpantes: um encontro com Regina Favre

    ingrid disse:
    9 de junho de 2013 às 23:56

    Amei viu?nao sei se ja te disse isso…levar o jornalismo até essas pessoas incríveis, com tua sensibilidade, ta sendo mt bom 🙂

      Nathalia Leter respondido:
      15 de junho de 2013 às 02:04

      puxa q bom Ingrid! venha sempre visitar…bj grande!

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